quarta-feira, 6 de abril de 2022

Sanidade

Caráter de presença

viva 

sem ranços.


Todo dia encontro meu ocaso.


As coisas podem ter continuação,

eu, não.

As coisas tem um caminho próprio.

Eu, 

princípio,

meio 

e fim. 

Mariana Montenegro

abril de 2022

quinta-feira, 24 de março de 2022

Espaço

Escuto ao longe

de onde brilha 

uma luz indefinível

que vive na distância.


O coração batendo

ritmado e sincopado

entre tempos

de um grande intervalo.


Escuto no silêncio

rumores de uma casa antiga

sempre a se renovar 

numa atualidade perceptível. 


Mergulhada no espaço

que alarga além dos limites

é concisa a escuta do imprescindível

e do longínquo. 


Plena do ar puro das altas montanhas

vejo somente distâncias

e mergulho no escuro

e ouço só murmúrios.


No mais próximo de mim

o espaço sem fim.


Mariana Montenegro

março de 2022







quarta-feira, 16 de março de 2022

Solidão tabu

Aos sozinhos (a cada dois que vive a sua união)


Para gostar da solidão

é preciso ter vida interior 

bastante rica e habitada.


É preciso ter autonomia, 

algum tipo de tônus

que compense a própria fragilidade.


Também entender que nada é por acaso;

não ser vítima 

dos desencontros da vida. 


Solidão é oportunidade de união;

da androginia 

à hierogamia.


Do ente duplo 

que anseia pela eternidade

a união sagrada.


Nessa solitude,

não há separação, 

o que reste. 


Quando não há nada 

e nem ninguém fora,

em todo estado se é feliz agora.

Mariana Montenegro

março de 2022



quinta-feira, 10 de março de 2022

terça-feira, 8 de março de 2022

Inteligência cósmica

Trocado o dado 

da sorte

pela brincadeira à sério

da invenção.


A vítima do acaso 

sem salvação

transforma-se 

na vítima com sentido

indestrutível.


Muda da condição

da queda à ascensão

como da lama

nasce o botão.


Mariana Montenegro

março de 2022


quinta-feira, 17 de fevereiro de 2022

O poeta desce a montanha

 O poeta desceu a montanha, e num misto de entusiamo e inquietação, vendo o povo reunido na praça, quis contar o que descobriu nos cumes:

- Acordem!
O céu está desabando,
a terra vai rachar.
Escutem os seus velhos xamãs.
-Alarguem o estreito!
Sejam de verdade,
não fantasmas.
Em estado de alma
vivifiquem cada momento.
- Imaginem suas próprias imagens!
Este é o seu mundo: aquele que você pode imaginar.
O resto são sombras de imagens alheias.
- Enquanto é tempo!
E adiem o fim,
e façam durar.
O povo achou que era um louco, não deu bola ao poeta, que, sem audiência, nem concorrência, seguiu por trilhas desconhecidas da multidão da praça.
(MM. noite de 17 de fevereiro de 2022)

terça-feira, 8 de fevereiro de 2022

Poesia, diário de viagem, enigma? (desentende gênero)


Vivia numa montanha-russa,

fazendo curvas demasiado acentuadas.

Na ausência de botes,

afogava-me facilmente em si mesma.

Sem fio de prumo,

Norte,

ou estrela-guia.


Com a energia da alma

o rio flui

e se enche d´água.

De outra parte

vira ralo

e seca. 


Folha seca desce a corrente,

como tudo é levada pelo vento.

O desespero anuncia a morte,

vida, seu eufemismo: a calma.

Se acalma!

Tempo carece de ritmo,

barco de leme, 

folha de ro rio.


Já fui parede,

de tão dura e impenetrável 

luz não me permeava.

Procurei a porta,

saí porosa.


Oh água que cai do céu!

Inunda o rio que corre

nas margens do meu papel.


Aprender

a ser melhor

para o outro.

Desenvolver o caráter

da alma

e sê-lo.


Acho que dizer o mínimo

é bastante!

Que semear estrelas 

é ofício de tradução

perpétua.


A palavra metafórica é viva;

apenas alusiva, abre caminhos e visões.

A palavra literal, de trilhas já percorridas,

é morta e esqueceu de renascer.


Na pretensão da verdade,

da objetividade, 

minto.

Nos devaneios da metáfora, 

inventando, 

sou verdadeira. 


A palavra precisa encontrar o silêncio inaudito.

Só assim dirá completa um sentido.  


O livro da noite

fechado na aurora,

e o livro do dia 

mal se lerá.  


Soante uma voz genuína 

que escuta o murmúrio de fundo

e que se conhece nas formas da luz. 


Minha incompletude é minha continuidade com o todo. 

Mariana Montenegro

fevereiro de 2022



sexta-feira, 4 de fevereiro de 2022

A lida com as forças



O sofrimento de alguém. 

Uma dor que não sei de onde.

Até que o meu corpo eminente indica;

somatiza, sente.

E, percebendo, o rosto da dor começa a se formar.

A força atuando num jogo com outras tão primais quanto. 


Então, levando-as todas para o coração, 

fazemos uma atenta conferência.

Lá (no coração) não há crença alguma para se escorar, 

além da aceitação e do amor (sabedoria),

para lidar com elas, de início tão cegas e brutas.


As forças, vindas do Fundo incomensurável e indefinível,

com a conversa, vão abrandando e ganhando forma.

Já as vejo mais claramente, e elas, a mim.

Primeiro, trocamos farpas, depois, figurinhas.

Fazemos um acorde musical, 

e, finalmente, dançamos, 

na glória do Amor conciliador.


Mariana Montenegro

fevereiro de 2022

quinta-feira, 20 de janeiro de 2022

Ao santo, o final feliz

Trata-se de uma simples estética do sofrimento?

Ou a imagem do santo é para nos despertar a compaixão?

"Conhecer a tragédia para não ser a tragédia".


Mas se manipula a crença no sofrimento.

A imagem como símbolo-exemplo de que o ser humano é para sofrer.

Então até hoje precisamos dessas imagens mórbidas, porque ainda não entendemos a sua mensagem.


Compaixão, bondade, humanidade.

Menos drama e mais comédia - divina!

E deixa o santo ser feliz.


MM


terça-feira, 18 de janeiro de 2022

Breve digressão sobre os modos da tragédia e da comédia

 

O TRÁGICO, quando enfim reconhece a vulnerabilidade da sua condição humana, desperta a compaixão.
(essa era a intenção das tragédias gregas).
O herói trágico era movido por grande dignidade, virtude ou poder.
O CÔMICO já parte do lugar da vulnerabilidade desde o princípio; com a sua falta de virtudes, impotência e seus defeitos. Mas ao invés de levar à compaixão, ele leva ao riso, à alegria (algo como rir de si mesmo). A transcendência na verdade da condição humana.

Com a compaixão o ser humano supera a brutalidade e a prepotência. Além disso, na tragédia reúnem-se os aspectos mais conflitantes, não à maneira do drama (que é mero bem contra o mal, vítima contra carrasco), mas da complexidade e da coexistência das dualidades no mesmo herói/pessoa humana.
A compaixão, do reconhecimento da vulnerabilidade da sua condição, é uma conquista fundante no processo de humanização.
E necessária, para adiante e além dela, não se fazer da comédia no mero caráter zombeteiro e espertalhão. Mas como a conquista final à tona da profunda alegria que existe na mesma condição humana.
MM

quinta-feira, 13 de janeiro de 2022

Atualizações

- Mariana, você tem religião?

-Não busco me segregar, mas me religar, portanto, não tenho uma religião. E como a essência de todas as religiões é a mesma, o amor, basta o amor. Mas respeito como um campo de conhecimento (que bebi muito, não cuspo) e na sua função social. 

-Você tem espiritualidade então?

-Também me desconforta hoje em dia quando digo que tenho. Porque se ter espiritualidade é uma distinção de oposição à materialidade, então não tenho. Prefiro complementar a opor. Espírito é uma dimensão da minha constituição - soma, psique e nous. Prefiro pensar em termos de dimensões e frequências (e na minha correspondência) do que em termos sectários e em categorias. Não gosto de pensar assim, é um pensamento fechado. 

MM

quarta-feira, 12 de janeiro de 2022

1,2,3,4

I-

Correntes brilhantes aportadas em local seguro.

Como as crenças que sustentam o edifício inteiro

com material de demolição.

Ilustradas do que desaba.


II-

Minha incompletude é minha continuidade com o todo.


III-

A plenitude é na condição humana,

não na forja de um ego espiritual.


IV-

Deus me livre dos monstros morais,

Deus me livre dos santos carrancudos.

Amém.


Mariana Montenegro

janeiro de 2022

sábado, 8 de janeiro de 2022

Palavra salva e palavra esclarecida

A palavra salva (pelo espanto)

É difícil (e até inviável) usar as palavras (fora do espanto) porque as palavras estão todas desgastadas. Só o espanto “salva” a palavra, porque carrega nela sangue e frescor, dá nova vida, ao mesmo tempo que cava desde sua origem.
A palavra esclarecida (pela hermenêutica)
Como as palavras não dizem mais o que significam, como os conceitos e sentidos implícitos e originários pouco coincidem com a palavra correspondente que se expressa, esclarecer as palavras é vital em meio ao pandemônio dos signos.

Mariana Montenegro
janeiro de 2022